Misericórdia, 2021

Outubro 2021, está quase a fazer um ano que me sento, todas as semanas, em frente a este órgão, a preparar aquele que quis que fosse o meu melhor trabalho até agora. Nesse quase-ano — marcado por muitíssimo mais cansaço do que entusiasmo, raiva do que tranquilidade, tristeza do que satisfação — este álbum foi o meu propósito, o meu caminho, o meu ato de auto-Misericórdia.

As 7 primeiras músicas são antigas, de 2013-15, várias delas rearranjos de exercícios para as aulas de Composição do Conservatório. A Fontellum foi escrita no Verão de 2020, encomenda do Carmo’81 para o Festival Karma. E a Misericórdia é a música que é o meu 2021: é ter visto o Possessão do Zulawski e percebido a Isabelle Adjani a olhar para a estátua de Cristo incapaz de cuspir palavras; A Pianista do Haneke e entendido o desejo da Huppert de ser possuída como um fantoche; o Undine do Petzold e reconhecido a vontade de entrar na água e ver a vida a acontecer à distância. É ter ouvido o Such Small Hands dos La Dispute e percebido que a raiva é um crescendo sem clímax, A Solitary Reign dos Amenra e reconhecido que há olhos em que só se vê distância, o Lament dos Touché Amoré e sentido que há vezes em que a única maneira de ser honesto é gritar.

E é ter partilhado tempo com o Gonçalo, a Maria, o Miguel, o Guilherme, o Braga, a Teresa, o Tó, e a Dona Alice, e aprendido que há amor na amizade. Obrigado a eles.